segunda-feira, 14 de julho de 2014

Da coleção de prudências que a gente não deveria ter

Sobre tentar controlar por quantas vezes sofreu ao priorizar o que deveria ser priorizado, pra depois não ter que medir o prazer como recompensa: achava que era impossível. E ficava inquieto a cada vez que nisso pensava.
   Dos corpos atropelados por imprudência no trânsito, das ressacas de segunda no trabalho, com azias insuportáveis, dos beijos que diante à recusa roubou, e do desrespeito de furar a fila e ocupar vaga de idoso no estacionamento, sabia que se lembraria mais. 
       E talvez tivesse sido por isso que agarrava as experiências em que agia de forma sensata como aval ao próximo reforço da própria satisfação sem pensar duas vezes.
Sabia que era dos momentos desquistosos que se elaborava aquela lembrancinha  
 amarga que vinha perturbar o marasmo a que se permitia depois do suor, como uma cantiga que interrompesse a melodia de que mais gostava. 
    Não furava a fila da padaria, mas não devolvia o troco que o balconista deu errado. Não matava cachorro de vizinho envenenado, mas chutava qualquer um que invadisse o seu quintal. E dentre tantas outras coisas, se atrevia a dizer que estava tentando ser melhor. E o problema, era um só : A ideia inconcebível de crescimento. 
      Já ela, dizia que tudo o que a gente julga prioridade deveria ter a ver com um estado de espírito tranquilo. Mas se contradizia fazendo do seu, inócuo, quando sufocava-se na vã tentativa de ser uma pessoa de perfeita conduta e equilíbrio. E os dois estavam errados. 
   A que ou a quem queremos contemplar com nossas decisões é tão devidamente - também- decisão nossa, que acaba por ferir outros predicados, outras pessoas, ou  entristecer a nós mesmos.
        De duas uma: A gente esquece que pessoas que tentam incessantemente tirar de letra, de vez em (quase) sempre, acabam além de chatas, sendo a causa das próprias frustrações.
       Ou então, a gente tenta compensar todo o bem que faz, na satisfação de uma vontade súbita não tão permitida assim. Como lápis e borracha, corretivo e caneta. Hachura. Rasura. Rasgo. Rabisco.
Mas o efeito na maioria das vezes é o inverso do intuito, porque se existe forma de percorrer uma rota à leveza, não deve ser essa.
        No fim é isso que todo mundo busca: A leveza. E até na ocupação tem gente que encontra! 
      Como tem a do pedidozinho de criança por um doce antes do jantar, do beijo roubado de uma surpresa alegre, do encontro proibido, do embriagar, do empanturrar, do desobrigar-se e desobedecer- que tampouco destroem a pessoa que somos em toda ordem e caos, como também não ameaça todo o resto, mas só não dá pra voltar atrás.
          Que às vezes bagunça um pouco, mas que não desintegra. E que principalmente vem pra mostrar que tanto o equilíbrio perfeito, quanto a honra ao prazer imediatoà todo momento, foram safradas e vendidas aos que mais iludidos estão sobre o mundo em que vivemos.
         A tessitura à melodia do prazer, com toda a suavidade tem que nos mostrar o envolvimento que temos naquilo que nos acontece de bom, mas sem inibir ou fazer chiar o verso da música que diz, que não viemos só à passeio. 
   Precisa-se do encaixe- ou da tentativa dele- de ambas as partes. E mesmo assim o que mais procuraremos, continuará sendo a leveza da satisfação dos prazeres, pois ela por enquanto é  a forma mais fácil que encontramos de acessar e revisitar sensações que ainda cobertas de incerteza, se apropriam do espírito, e da ideia que continua a nos encorajar a viver de maneira não mecânica. 
   Alguns deslizes nos lembram de como podemos tentar caminhar de encontro à uma solução melhor duma próxima vez, enquanto que outros nos presenteiam com a sorte de serem irremediáveis.  

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