sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Recôndito de Nina

Uma alusão a um dos meus filmes favoritos, que inclusive permite resgatar da memória, momentos da vida em que me senti como Nina.
Cisne Negro é um enredo fantástico que traz a história de uma garota, que alçou á sua dedicação como bailarina, o desejo tórrido de ser perfeita enquanto tal. Muito se consegue perceber á partir dos gestos de investimento que Nina faz ao aprimoramento da sua performance, e concomitantemente ao agrado e articulação para com as pessoas envolvidas neste processo.
                         Se alcança a percepção de que ambições nossas, nunca serão inteiramente por nós despertas, e sempre trarão algum tipo de reflexo, seja ele vindo do meio, ou da relação com pessoas que nos cercam.
            A Psicanálise de Sigmund Freud sustenta muito bravamente que tenhamos impresso em nosso  desenvolvimento e vida, um EU ideal, que provém das instalações de modelo de identificação e tem no superego, seu veículo de busca. Não deixando escapar a relação com a imago dos pais nessa captação de modelo, uma vez que enlaça-se com as duas figuras o Complexo de Édipo, temos como afirmar que o EU Ideal, assume e erige a posição de antiga imagem dos pais, assim aspirando-os como modelo. Isso remonta o fato de que existe uma admiração das crianças por esse modelo.
     A relação com o filme não me foge de justificar que Nina não seja mais uma criança, e que a imagem dos pais produzirá diferentes efeitos em torno de cada fase da nossa vida.
Porém observa-se uma forte tendência da personagem a incorporar o movimento de projeção produzido pela mãe, anteriormente bailarina, que teve a frustração de impedir-se a continuar a carreira em favor da criação de Nina.
     Contudo, o texto a seguir, faz um pequeno recorte da minha enorme intenção de demonstrar o universo escuro em que acham a incompletude, e a função observadora e punitiva do superego- se mesclando com a irreverência das paixões do id-, pra se esconder.

                     O giro da bailarina, continha tanta coisa que a própria performance dava conta de esconder. Tanta vontade de com os olhos envolver a plateia e o mundo, que lhe escapava á noção observar- e entender- como pra algumas colegas, só a plateia já bastava.
          Queria um séquito inteiro de adoradores, pra enxergar no próprio suplício por paz, a encomenda que antecedesse a entrega do conforto.
             Mas essa ideia de conforto era humanamente inconcebível.
          A única encomenda no seu nome enquanto pessoa, seria a própria frustração do rabisco que a mediocridade dela perante á Beth, Lily, e todo o resto do mundo -interiormente- representava em seus planos.

                Vários mestres ela teve, disfarçados ou não. Orientadores á direção de um giro, que não só ao ballet se remetia.
                   Era um problema. Um esquema de cinema, essa coisa de protagonizar.

                           Porque a bailarina abarcava tudo no giro
                                No giro do próprio umbigo como órbita
                             Sem plié nem elevé
                            Relevava e não elevava
                        Menina, você mesma é que se trava                        

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Todas as alternativas estão incorretas

     Sobre o amor que as pessoas acham que sentem, ninguém nega: É fantástico a nível do quanto é estranho . Entorpecente e fatigante.  
 Quase desesperador, mas com um pouquinho de zelo próprio.
             Em todo caso, o que a gente não nota é a porosidade que se abre na pele pra experimentar o suor, de alguém que a gente só acha que conhece.
                                   É isso. É esse "só". É esse "acha".
                     É dessa forma que a gente se engana com o que realmente significa
                   É dessa forma que a gente se engana com os outros
                      E principalmente: É dessa forma que a gente engana a si mesmo
                Tive a ousadia de tentar assegurar que mediante a todas as pessoas que já quis chamar de minhas, e aquelas:
                     Que visitas a mim fizeram
                      Que os lábios em mim encostaram
                        Que roupas cederam e carinhos fizeram: que me conhecia o bastante pra saber que tinha espaço. E que podia me dividir com alguém, e não em alguém.
             
                       Mas  o pior dos enganos:  que não tinha mais nada pra descobrir. Que tudo sobre elas aceitava e conhecia.
                            Todas as alternativas estão incorretas
                           Marque um x na que menos lhe atinge
                  Prefere perceber a verdade relutante, ou humildemente?
         A verdade na maioria das vezes é que a gente se desdobra até não ter mais coragem de se dividir. Ou se divide tanto que esfacela.
                  Lacan sustentaria que o amor é justamente dar aquilo que não se tem àquele que não é, e bem defende essa ideia ao dizer que a neutralidade absoluta nos é impossível enquanto humanos.
         Pra Jung, quanto mais conhecemos o que não gostamos em alguém, é mais sobre nós mesmos que descobrimos. E as duas ideias não se confrontam, pois é justamente achando que conhece tudo que a gente se entrega, e entrega até o que não tem. Do contrário, repele. Se guarda.
            Nós temos uma dificuldade enorme em concordar e aceitar que não existam réplicas perfeitas da nossa personalidade ou inúmeras reproduções da lista de qualidades que nós queríamos ter e não conseguimos, em alguém. Amor mesmo, seria quando você descobrir que não sabe de tudo, e mesmo assim  continuar tendo peito pra propor não se assustar. Quando você perceber que a pessoa não é só aquilo que você achava, e mesmo assim não culpá-la  por ser muito mais do que a tua ingenuidade e memória, e pelo seu salto. Pelo risco que você correu por vontade própria. Assumir a consequência pela liberdade que você teve em aceitar descobri-la. E principalmente, saber e concordar que se você se propuser a realmente conhecê-la, vai descobrir coisas que nunca imaginou.
         Toda ignorância- disfarçada de inocência- em quem prefere afirmar que se conhece o bastante e que está pronto pra encarar tudo no outro quando abraçada à ideia de que tudo deve ser melhor do que ficar sozinho, é o estado torporoso de um coração que já está cheio de não se encontrar.

           A falsa ideia de amor se apropria de tudo isso, porque não só esta presente na sujeição, que transforma laços em farrapos-  ou em nós cegos, passando do verdadeiro, do amor maduro, (que é o que Freud considerou o primário sinal de civilidade do ser bípede), pra tolice - até o achar que ter a própria companhia é um pesadelo que lhe espera por não ter achado alguém ideal.
       Nada parece estar para os ossos do ofício, a terra da pá, o trabalho, o desapego, amor no seu tempo, e tudo o que pra nós é difícil, como parece estar pro leito da comodidade, e pra mentira de que a gente ama quem quiser.